segunda-feira, 12 de julho de 2010

Ascensão e queda da cidade de Mahagonny

Ascensão e queda da cidade de Mahagonny

por Viegas Fernandes da Costa

O espetáculo “Ascensão e queda da cidade de Mahagonny” abriu, na noite de sábado (10/07) a Mostra Universitária Nacional” do 23° Fitub. A peça foi montada e apresentada pela Cia. Teatral Acidental (Unicamp – Campinas/SP) sob a direção de Marcelo Lazzarato, a partir de uma adaptação do texto Mahagonny, de 1927, escrito pelo dramaturgo alemão Bertold Brecht (1898-1956). Em 1930, Brecht revisou o texto original e, através de uma parceria com o compositor Kurt Weill, produziu “Ascensão e queda da cidade de Mahagonny” (“Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny”). A intenção de Brecht com esse “épico musical”, que narra a história de três fugitivos encurralados no deserto e ali decidem fundar uma cidade chamada Mahagonny, arapuca que tem como isca o prazer, era, entre outras coisas, o de questionar o modelo de ópera até então estabelecido.
A adaptação da Cia. Teatral Acidental procurou manter o texto e a ambientação criados por Brecht, porém buscou “atualizar” a peça inserindo elementos identificados com a cultura pop, como a substituição das músicas de Weill por melodias dos Beatles, por exemplo. Esta opção musical nos leva a pensar se o grupo não pretendia situar temporalmente Mahagonny em um referente moral e cultural ligado à contracultura. Se “Ascenção e queda...” narra a história de uma utopia onde todos os prazeres são permitidos, podemos conjecturar na geração que cresceu ouvindo os Beatles e que na década seguinte viveu o Vietnã e Woodstock. A inserção da melodia de “Imagine” (Lennon) no repertório reforça a tese. A mesma geração que mais tarde envelheceu e teceu uma malha moral repressora, criando filhos de uma “geração perdida” e – por que não dizer? – careta. Também Mahagonny afunda na repressão, nas leis sem sentido, como aquela que proíbe arrotar, e morre. No cerne de tudo, a crítica de Brecht – e da Cia. Teatral Acidental – à ideia de que o dinheiro pode comprar a felicidade; bem como a denúncia do capitalismo.
A montagem que o grupo da Unicamp trouxe para o Fitub empregou mais de uma dezena de atores, cuja movimentação no palco foi excepcional. Ricos ainda foram os cenários e os elementos de cena, constantemente modificados pelos atores. A disposição destes e dos elementos cênicos muitas vezes construíam imagens de grande apelo poético e que brincavam com uma iconografia sacralizada pela cultura pós-industrial. Movimentação, humor e a criatividade no uso dos elementos cênicos foram as grandes virtudes da montagem que, até certa medida, compensaram as deficiências vocais notadas na apresentação. Por outro lado, a tentativa de fazer com que cada personagem (e eram muitos) fosse passível de reconhecimento por parte do público, impediu que os mesmos fossem verticalizados. Assim, apesar dos esforços de cada ator, os personagens ficaram exageradamente tipificados, e penso que tal opção fez com que a peça perdesse profundidade, ao ponto de beirar o panfletário. Panfletarismo que ficou evidente ao final do espetáculo, momento em que cada ator cruzou o palco segurando cartazes com advertências que verbalizavam uma crítica social, já implícita à trama, que melhor estariam se inerentes à constituição dos personagens e nas sutilezas da narrativa.
Aplaudida entusiasticamente pelo grande público presente ao Teatro Carlos Gomes, “Ascensão e queda da cidade de Mahagonny” deixou a impressão, entretanto, que a adaptação poderia ousar mais, antropofagizando Brecht para vomitá-lo e, assim, construir um espetáculo que dialogasse de forma ainda mais contundente com os tempos que vivemos.

Fotos: Daniel Zimmermann / CCM Furb

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