"Estufa"
Viegas Fernandes da
Costa
Crédito da Imagem: Daniel Zimmermann |
O sentido é a ausência de
sentidos. Dadaístas já pensavam assim lá no primeiro quartel do século XX, e
outros antes, e outros depois. Se na urbanidade monstruosa onde bilhões de
vidas nascidas para desaparecer, esbarram-se na incomensurável solidão de
multidão, há esta sensação de crescer sob os limites de uma liberdade
controlada, sob um sol que se anuncia sobre um filtro, qual plantas que crescem
sob estufas. Ainda assim, há a arte que se pretende anúncio daquilo que julga importante;
a arte que se pretende ave, mas rasteja nos limites da técnica e da sacralidade
teórica; o ator que se deixa manipular títere sob as mãos de um diretor/deus.
Afinal, o que dizemos? Afinal, para que dizer? Afinal, o que representa a arte,
o que significa o teatro?
O Coletivo Kerencaferem, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, trouxe à 25ª. Edição do Festival
Internacional de Teatro Universitário de Blumenau o espetáculo “Estufa”, sob
direção de Nina Balbi e texto do próprio coletivo. Encenado em espaço allternativo
(uma sala de aula), “Estufa” construiu uma ação cênica que tinha como objetivo
primeiro discutir o estilo de vida nas estruturas urbanas contemporâneas, mas
que resultou principalmente em uma espécie de metateatro.
À plateia contorna um cenário
que reproduz uma espécie de estufa. Folhas secas cobrem o chão, e plantas
pendem do teto. A atmosfera é pesada. Um quadrado sombrio e úmido no qual se
desenrola a não-trama. A um dos cantos, uma cadeira na qual um dos personagens
(o ancião sábio protagonizado por um ator jovem que propositalmente não faz
qualquer esforço para parecer idoso) passará sentado por toda peça. Qual sua função?
Não há função.
Crédito da Imagem: Daniel Zimmermann |
Sobre o chão de folhas secas os
demais personagens interminavelmente armam uma espécie de piquenique. A toalha,
a louça, os talheres. Tudo deve estar exatamente no lugar. Também os próprios
personagens/atores necessitam constantemente reafirmar, afinal, os papeis que
supostamente representam, em uma espécie de trama dentro da não-trama. Toda
esta ordem, entretanto, esbarra na imposição da desordem, porque esta impera,
subterraneamente, e aflora na cena, destruída com violência. O primitivo se
impõe, a dor em todos os sentidos protagoniza. Ainda se tenta apelar a uma
pretensa razão, e uma voz onisciente (o diretor? Deus? os fatos sociais?) que
se anuncia pelo telefone, orienta a ação para que esta funcione. Mas a ação não
funciona, e qualquer tentativa de ordenamento esbarra no caos. O caos é tudo
que passa a existir, interna e externamente.
“Estufa” apresentou uma ótima
ambientação cênica e algumas interpretações convincentes, e se seu objetivo,
enquanto proposta dramatúrgica, era provocar incômodo e angústia na plateia,
conseguiu. Por outro lado, sua linguagem tornou-se por demais cansativa e
hermética, distanciando o público e resultando em uma espécie de vazio. Talvez
tenha sido justamente esta a intenção da diretora e do grupo; entretanto, cabe
questionarmos qual o lugar de um espetáculo como “Estufa” na cena contemporânea. Se, por um lado, esforça-se por anunciar a modernidade absurda
que construímos, por outro, esgota-se num experimentalismo já exaustivamente
explorado.
Ao final restou a frustração com
a própria peça, e a sensação de que o teatro morreu.
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