domingo, 8 de julho de 2012

“Dona Flor e seus dois maridos”

"Dona Flor e seus dois maridos"

Viegas Fernandes da Costa

Crédito da imagem: Daniel Zimmermann
“Dona Flor e seus dois maridos” subiu ao palco do Grande Auditório Heinz Geyer como uma das peças mais aguardadas deste 25º FITUB. Adaptada do romance homônimo de Jorge Amado por Yoav Szutan e Irad Rubinstein, foi encenada pelos alunos da Yoram Loewenstein Acting School, de Tel Aviv. Dirigida por Irad Rubinstein, despertou curiosidade justamente por se tratar de uma montagem israelense de um texto tão marcadamente baiano, bem como pelo espanto do público ao saber que o mesmo seria falado em iídiche. Com tantos elementos exóticos somando-se ao realismo fantástico e à sensualidade do triângulo amoroso criado por Jorge Amado, não foi difícil prever a casa lotada na noite de sábado, o que efetivamente aconteceu. Um público curioso e entusiasmado acorreu ao Teatro Carlos Gomes para aplaudir, de pé, a despeito das dificuldades de compreender o idioma dos atores e os problemas técnicos com as legendas, uma montagem primorosa e bastante fiel ao texto original.
Publicado originalmente em 1966, “Dona Flor e seus dois maridos” conta a história do romance entre Flor e Vadinho, este um vagabundo mulherengo que vivia metido em cassinos e prostíbulos. Apesar de traída e explorada por Vadinho, Flor amava seu marido, amante intenso que sempre foi. Depois que este morreu subitamente em pleno carnaval de Salvador, Flor envolve-se com um farmacêutico casto e tímido, incapaz de satisfazê-la sexualmente. Frustrada, inconscientemente chama por Vadinho, que imediatamente acorre do além para atender aos apelos da esposa, provocando uma série de confusões e criando uma espécie de triângulo amoroso. A Montagem dirigida por Rubinstein mantém a estrutura original do romance, bem como sua fábula e seus principais personagens, e parece ter sofrido influência direta do filme homônimo de 1976, dirigido por Bruno Barreto. Leva para o palco os principais elementos identitários da cultura baiana, tão caros a Jorge Amado. O candomblé, a culinária, o carnaval de rua, o erotismo, bem como a hipocrisia oportunista das elites baianas, estão perfeitamente retratadas na peça israelense. Vale destacar ainda a deferência com que o grupo israelense se relacionou com o texto brasileiro, considerado por eles um clássico de nossa literatura.
Crédito da imagem: Daniel Zimmermann
Cientes das dificuldades que o idioma poderia representar para uma plateia brasileira, e preocupados em estabelecer uma empatia direta com o público, algumas palavras e trechos da peça eram falados em português, principalmente aquelas capazes de despertar um reconhecimento pátrio. Não por acaso, a palavra Bahia bailava exaustivamente na boca dos atores, nativos de um país no qual o sincretismo cultural não é tão intenso quanto no Brasil, o que soava um pouco estranho. Afinal, esperava-se que a simples menção ao estado nordestino pudesse despertar na plateia do FITUB uma simpatia identitária, o que obviamente não aconteceu. A parte isto, os atores conseguiram envolver o público, despertar o riso e tornar o espetáculo perfeitamente inteligível e rico.
“Dona Flor e seus dois maridos” trouxe ao palco os ritmos de Salvador, mesclando muito bem o profano e o sagrado. Terreiro, puteiro, cassino e cozinha tomavam a cena sem que houvesse a necessidade de um cenário propriamente dito (salvo a existência de uma pequena mesa com ingredientes da culinária de Salvador, ao canto esquerdo do palco, não há outros elementos cenográficos no espetáculo). A dramaturgia aconteceu principalmente na interpretação dos atores, nos ritmos da percussão capazes de nos devolver ao estado sagrado do primitivo, na iluminação e no figurino – este um espetáculo à parte. Muito interessantes e criativas, também, as soluções encontradas pela direção para responder às necessidades da narrativa. A roleta do cassino, por exemplo, que tanto seduzia Vadinho e o levava à perdição, surgia no palco representada por uma excitante mulher rodando pornograficamente sua saia de cores alternadas (o rubro e o negro), e que engolia, ao final, as fichas do incauto jogador.
Repleto de humor e sensualidade, apresentando soluções dramatúrgicas de grande criatividade, e com atores entregues aos tipos que representavam, “Dona Flor e seus dois maridos”, sob a direção de Irad Rubinstein, surpreendeu, divertiu e mostrou a universalidade de que é capaz a obra de Jorge Amado. 
Crédito da imagem: Daniel Zimmermann

Um comentário:

  1. Achei magnífico o espetáculo. A melhor peça que já prestigiei até hoje. O trabalho de pesquisa, a qualidade na atuação e a beleza do espetáculo foram tocantes. Boas gargalhadas com doses picantes e com direito até a drama foi o resumo das minhas reações. Amei!

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