A grande parada (ou o que ainda resta dela)
por Viegas Fernandes da Costa
O 23° Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau apresenta também a Mostra Blumenauense de Teatro, nas dependências da Fundação Cultural de Blumenau. Na noite do dia 12/07 entrou em cena o grupo “VísCera Teatro”, com a peça “A grande parada (ou o que ainda resta dela)”, sob a direção de Pépe Sedrez.. O espetáculo é uma adaptação do texto “Terror e miséria no Terceiro Reich”, de Bertold Brecht, escrito em 1938.
“A grande parada” está ambientada na Alemanha nazista da década de 1930, e retrata a miséria e a falta de liberdades civis experimentadas pelo povo alemão durante a constituição do Estado nazista (o III Reich) pretendido por Adolf Hitler, notadamente sob a ótica da luta de classes, onde críticos do regime – e até mesmo pessoas cuja ingenuidade levava-as a declarar suas insatisfações – eram detidas e barbarizadas pelas forças de repressão. Tendo como cenário um campo de concentração (imagem de um campo real, mas também metáfora que aponta para os “campos de concentração” simbólicos: a casa, a fábrica, a rua; espaços vigiados e reprimidos, verdadeiros panópticos de um Estado autoritário que a todos vê, escuta e pune), “A grande parada” mostra que os tentáculos do nazismo não atingiram apenas judeus, mas todos aqueles que destoavam ou questionavam o discurso oficial e, em especial, aponta para a perseguição promovida aos comunistas.
Nessa montagem do “VísCera Teatro” destacam-se cenário, elementos cênicos, a excepcional maquiagem dos atores, bem como a trilha sonora, desenvolvida ao vivo por uma das atrizes. O espetáculo fez uso ainda de recursos audiovisuais, projetando ao fundo da cena imagens de paradas militares e campos de concetração nazistas. Também a proximidade do público, disposto sobre o palco numa espécie de arena, contribuiu para aproximar os espectadores dos dramas interpretados pelos atores. Entretanto, a opção do “VísCera” em montar um espetáculo por demais zeloso ao texto de Brecht, pareceu-me um problema para a peça. Vale dizer aqui que o Bertold Brecht da década de 1930 está morto. Não é mais possível representar uma peça que pretende dizer aquilo que se pretendia na sua concepção. Tempo e sociedade são outros, tal qual nossos signos de identificação. É necessário matar Brecht uma segunda vez para representá-lo no tempo presente. Apesar do subtítulo da peça (“ou o que ainda resta dela”) indicar para um tempo diferente daquele em que originalmente estão situados texto, cenário e personagens, a montagem tem dificuldades em descolar o público das imagens pré-concebidas de uma Alemanha nazista, dos campos de concetração e dos clichês de uma luta de classes romântica. Fica a impressão que está a se assistir a uma peça com preocupações de relato histórico, e não a uma provocação aos tempos atuais, onde os temas e preocupações de Bertold Brecht ainda se fazem presentes. Assim, “A grande parada” perde um caráter de ineditismo que poderia explorar, principalmente se consideramos o contexto social e cultural do Vale do Itajaí em que a montagem e o grupo “VísCera” estão inseridos.
Por fim, permanece a questão: o que resta da grande parada? Problema interessante que a peça poderia provocar com maior contundência.
Foto: Divulgação
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