Irmanamos na mesquinharia
Magali Moser*
Cena de "A saga do sertão da farinha podre" Crédito da Imagem: Íria Pieritz |
Há uma semana do ano que se torna melhor viver em Blumenau. Os dias frios do mês de julho chegam acompanhados de expectativa e efervescência cultural com o Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau. Durante o FITUB, a cidade ganha outro ritmo. As ruas, novo colorido, novas caras, novos sons. É o momento de reencontro de pessoas queridas. E também do inevitável contato com a diversidade do mundo. Nestes dias, o diferente se incorpora com naturalidade à paisagem monótona. Quando, além do mês de julho, haveria a possibilidade de encontrar com alguém de Israel pela cidade? Em que outro momento o Teatro Carlos Gomes celebra o papel que lhe cabe de forma tão singular? Quando a arte toma conta do espaço urbano com tanta intensidade?
O mais antigo festival universitário de teatro do País chega a 25ª edição consolidado no calendário cultural. No entanto, é lamentável admitir que um festival desta envergadura tenha sido reduzido em dois dias por conta de outros eventos agendados no teatro. Como lembra o historiador Viegas Fernandes da Costa, apesar da vida longa, surpreende-se também por ainda não contar com o apoio dos governos municipal e estadual.
O descaso com a cultura e a tentativa de manter a cidade sob as definições de “ordeira”, “de família” e com “pessoas de bem”, para usar as palavras da peça A Saga no Sertão da Farinha Podre, foram tratados de forma cômica e crítica no espetáculo apresentado no último sábado, 7, na praça em frente ao Teatro Carlos Gomes, pelo Coletivo Teatro da Margem, de Uberlândia (MG), que em 2010 trouxe para Blumenau o premiado “Canoeiros da Alma”.
Na primeira incursão pelo teatro de rua, a peça dirigida por Narciso Telles reflete sobre a expulsão de artistas que passavam em caravana pelo Sertão da Farinha Podre, com a apresentação do espetáculo Antígona de Sófocles. O grupo enfrenta as hipocrisias de uma cidade que quer manter um rótulo. Há uma tentativa de manter o padrão de “cidade ideal”. As coincidências do espetáculo com Blumenau não param por ai. O texto traz ainda referências à prática de racismo e abuso de autoridade cometido por policiais miliares durante o FITUB ano passado contra um estudante mineiro de teatro. Em outro momento, um dos personagens utiliza um quepe em alusão ao mito de que a parte superior do prédio do Teatro Carlos Gomes tenha sido construída em homenagem a Hitler.
As questões do espetáculo mineiro são próximas à realidade de qualquer cidade. Tanto que ficou a dúvida se foi produzido especialmente para Blumenau. Um dos integrantes do grupo, o ator Samuel Giacomelli esclarece: “na verdade falamos da história de Uberlândia. Claro que em cada cidade que vamos inserimos alguns elementos para ficarmos mais próximos da situação local, mas são muito sutis essas mudanças. Definitivamente, somos todos vizinhos dessas mesquinharias e intolerâncias.”
Se o FITUB deixa uma lição é justamente esta: somente a arte é capaz de nos libertar dessas mesquinharias. A arte tem o estranho poder de nos comover profundamente. Ela fala de nós, de nosso âmago. Permite um olhar sobre nós mesmos. É indispensável por gerar formas mais sensíveis de ver o mundo. A arte só liberta porque é universal, e aí o grupo israelense que apresentou Dona Flor e Seus Dois Maridos nos prova mais uma vez esta constatação ao levar para os palcos do teatro uma obra genuinamente brasileira. A coordenadora do FITUB, Pita Belli, tem razão. Como apontou na cerimônia de premiação do festival, ontem à noite: O FITUB é um patrimônio de todos nós. Que venha logo a próxima edição!
*Magali Moser é jornalista. Este artigo foi originalmente publicado no blog http://jornalistamagalimoser.wordpress.com/
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