"Dona Flor e seus dois maridos"
Viegas
Fernandes da Costa
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Crédito da imagem: Daniel Zimmermann |
“Dona Flor e seus dois maridos” subiu ao
palco do Grande Auditório Heinz Geyer como uma das peças mais aguardadas deste
25º FITUB. Adaptada do romance homônimo de Jorge Amado por Yoav Szutan e Irad
Rubinstein, foi encenada pelos alunos da Yoram Loewenstein Acting School, de
Tel Aviv. Dirigida por Irad Rubinstein, despertou curiosidade justamente por se
tratar de uma montagem israelense de um texto tão marcadamente baiano, bem como
pelo espanto do público ao saber que o mesmo seria falado em iídiche. Com
tantos elementos exóticos somando-se ao realismo fantástico e à sensualidade do
triângulo amoroso criado por Jorge Amado, não foi difícil prever a casa lotada na
noite de sábado, o que efetivamente aconteceu. Um público curioso e
entusiasmado acorreu ao Teatro Carlos Gomes para aplaudir, de pé, a despeito
das dificuldades de compreender o idioma dos atores e os problemas técnicos com
as legendas, uma montagem primorosa e bastante fiel ao texto original.
Publicado originalmente em 1966, “Dona
Flor e seus dois maridos” conta a história do romance entre Flor e Vadinho,
este um vagabundo mulherengo que vivia metido em cassinos e prostíbulos. Apesar
de traída e explorada por Vadinho, Flor amava seu marido, amante intenso que
sempre foi. Depois que este morreu subitamente em pleno carnaval de Salvador,
Flor envolve-se com um farmacêutico casto e tímido, incapaz de satisfazê-la
sexualmente. Frustrada, inconscientemente chama por Vadinho, que imediatamente
acorre do além para atender aos apelos da esposa, provocando uma série de
confusões e criando uma espécie de triângulo amoroso. A Montagem dirigida por
Rubinstein mantém a estrutura original do romance, bem como sua fábula e seus
principais personagens, e parece ter sofrido influência direta do filme
homônimo de 1976, dirigido por Bruno Barreto. Leva para o palco os principais
elementos identitários da cultura baiana, tão caros a Jorge Amado. O candomblé,
a culinária, o carnaval de rua, o erotismo, bem como a hipocrisia oportunista
das elites baianas, estão perfeitamente retratadas na peça israelense. Vale
destacar ainda a deferência com que o grupo israelense se relacionou com o
texto brasileiro, considerado por eles um clássico de nossa literatura.
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Crédito da imagem: Daniel Zimmermann
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Cientes das dificuldades que o idioma
poderia representar para uma plateia brasileira, e preocupados em estabelecer
uma empatia direta com o público, algumas palavras e trechos da peça eram
falados em português, principalmente aquelas capazes de despertar um
reconhecimento pátrio. Não por acaso, a palavra Bahia bailava exaustivamente na
boca dos atores, nativos de um país no qual o sincretismo cultural não é tão
intenso quanto no Brasil, o que soava um pouco estranho. Afinal, esperava-se
que a simples menção ao estado nordestino pudesse despertar na plateia do FITUB
uma simpatia identitária, o que obviamente não aconteceu. A parte isto, os
atores conseguiram envolver o público, despertar o riso e tornar o espetáculo
perfeitamente inteligível e rico.
“Dona Flor e seus dois maridos” trouxe
ao palco os ritmos de Salvador, mesclando muito bem o profano e o sagrado.
Terreiro, puteiro, cassino e cozinha tomavam a cena sem que houvesse a
necessidade de um cenário propriamente dito (salvo a existência de uma pequena
mesa com ingredientes da culinária de Salvador, ao canto esquerdo do palco, não
há outros elementos cenográficos no espetáculo). A dramaturgia aconteceu
principalmente na interpretação dos atores, nos ritmos da percussão capazes de
nos devolver ao estado sagrado do primitivo, na iluminação e no figurino – este
um espetáculo à parte. Muito interessantes e criativas, também, as soluções
encontradas pela direção para responder às necessidades da narrativa. A roleta
do cassino, por exemplo, que tanto seduzia Vadinho e o levava à perdição,
surgia no palco representada por uma excitante mulher rodando pornograficamente
sua saia de cores alternadas (o rubro e o negro), e que engolia, ao final, as
fichas do incauto jogador.
Repleto de humor e sensualidade,
apresentando soluções dramatúrgicas de grande criatividade, e com atores
entregues aos tipos que representavam, “Dona Flor e seus dois maridos”, sob a
direção de Irad Rubinstein, surpreendeu, divertiu e mostrou a universalidade de
que é capaz a obra de Jorge Amado.
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Crédito da imagem: Daniel Zimmermann
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